sábado, 25 de fevereiro de 2023

Curvas

É preciso usar as curvas

Do seu corpo

Dos seus cachos

Da sua voz

Da sua força

Nada é plano

             consistente

             igual

Sobe, desce

Melhora, piora

É preciso usar as curvas

Do riso

Sorrir

Não levar tudo tão a sério

Nada é definitivo

Nenhuma dor,

Nenhum amor.

sábado, 24 de dezembro de 2022

Urgência

Apesar de parecer que somos eternos - afinal, tudo o que temos conhecimento é a vida - o existir. Não sabemos como é a morte ou como é o estado imediato de antes de vir a esse mundo. 

Tudo o que temos e o que somos é o que conhecemos. 

Mas quando você se depara com a morte de alguém amado, é como se nesse exato instante, um relógio desse corda. Você começa a ouvir um tic-tac incessante. 

Durante o dia, o trabalho e a rotina acabam jogando uma neblina e por alguns minutos o relógio parece não mais existir. 

Cai a noite, depois de uma jornada de 10 horas de trabalho, sem ter feito o que você realmente ama, o relógio grita, um som ensurdecedor. Parece que ele girou pelo menos umas 1000 x em um curto espaço de tempo. 

Tic tac. 

O tempo passa, os não-dias se aproximam. 

Quando você sente o gosto amargo da morte, a realidade se torna mais palpável, mais densa. Não há como ser quem você era antes. É um caminho sem volta. 

Viver passa a se tornar uma urgência. Sinto uma urgência em viver, em conhecer, em viajar, em amar. 

Deitar à relva de uma noite estrelada, sentindo cada canto do meu corpo respirar e inspirar. 

Ser una com a terra. 

Urgência em viver. Temos tão pouco tempo. 

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Infinito

As tragédias acontecem sempre de repente, inesperadamente.

(Tudo se torna óbvio depois que a gente fala).

O fato de nossos dias serem parecidos não significa que nada acontece de repente.

A questão é que o banal não marca - os dias tem um sentido de continuidade, de semelhança, de lentidão, de eternidade.

Até a tragédia acontecer. Um rompante. De repente. 

Você até tem a sensação de não pertencer mais nesse tempo. Parece agora um universo paralelo.

Parece que você está vendo tudo de longe, sem entender nada.

O tempo, a continuidade, a eternidade - tudo perde o sentido.

É como desaprender a viver. 

Porque antes era um dia após o outro... sabe? A semelhança dos dias.

Então a tragédia te tira o chão dos pés.

Você até se questiona se um dia conseguirá ver sentido nas coisas...

Porém a roda segue girando, e quando você menos espera, a semelhança dos dias retorna.

A lentidão, a continuidade, a sensação de sermos eternos.

Claro que dessa vez com um gostinho diferente: a sabedoria da finitude.

Toda dia você sente isso na pele, então de fato você reaprende a viver e a sentir.

Sorrisos tem novos significados.

O céu azul, o vento, o sol, as melodias, os passarinhos.

Você os sente de uma maneira diferente.


Fecho meus olhos - sinto o som ao redor, o peso do meu corpo, respiro fundo...

Isso é tudo o que tenho. Esse único momento. Essa única respiração. Isso é ser infinito.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Vazio

Desde que você se foi

Eu me pergunto todos os dias

 - Qual o meu propósito neste mundo passageiro?

Desde que você se foi

O céu azul é novo pra mim - desbotado

O canto dos passarinhos também - desafinou

Desde que você se foi

A vida parece ser outra

Um punhado de gente,

Um tanto de solidão 

Desde que você se foi

Eu me pergunto:

- Por que você se foi?

Qual o sentido de toda essa bagunça? De todo esse caos? 

E se ao invés de trabalhar, estudar, produzir, se formar, pesquisar

Eu estivesse contigo mais tempo

No pouco tempo que te restava e eu nem sabia?

E se eu tivesse te abraçado mais

Como seria?

Como será, daqui pra frente

Agora que você se foi?

sábado, 11 de janeiro de 2014

Metrôs

Roberta está triste. 
Às 18 horas, voltando de um passeio solitário pelas ruas da Cidade Velha, segue seu caminho para casa num metrô. Ela olha a sua volta - a seu lado, na janela, um senhor grisalho, com uma boina marrom e um olhar perdido. Na sua frente, uma jovem loura, com calças rasgadas, maquiagem preta, boca vermelha e nenhum sorriso no rosto. Do outro lado, uma senhora de idade - beira os 70, brigando com seu netinho, que faz caretas e é o único sorrindo no trem - ne t'excite pas! E a criança se acalma por alguns minutos. 
Roberta olha para o lado. Para o outro. Para a frente. Já está no fim do dia e ela não conseguiu conversar com ninguém. Nenhuma pessoa da cidade lhe dirigiu a palavra - "o que há comigo, afinal?" 
Mas no metrô é tão pior. Aqueles seres, tão próximos uns dos outros! Mas nenhuma palavra. Ninguém quer desperdiçar conversas. Quando olhares se encontram, logo os olhos se desviam. Não há coragem suficiente para sustentar a indagação que paira nas pupilas negras. Mas afinal, o que se encontra debaixo da terra, senão gente morta? Roberta nunca gostou de metrôs. A proximidade tão distante em que essas pessoas todas se encontram faz pensar que o amor perdeu. A harmonia, a beleza, a diversão, a curiosidade - estão todas mortas. 
As portas se abrem. E então, ao longe, um violino! Roberta não apenas se consola, como também ama quando a música dos anônimos corta o ar de funeral do metrô - a vida está aqui, afinal. Aqui há gente viva.
E então ela se sente culpada:
- E se eu dissesse ao senhor grisalho ao meu lado: "Que sol bonito fez hoje, não?!"
Talvez ele se encontrasse. Talvez Roberta se encontrasse.

Falta coragem no mundo.
E amor.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Novas Cores

Tem tanto tempo que eu fujo das letras... Mas um dia elas resolvem sair, todas num rompante. E, por favor, não pensem que fugi delas por covardia, por medo. Ah, não! Na minha última postagem eu disse algo sobre novos dias. Novas fotografias. Novas histórias. E como a vida é incrível. A gente realmente não sabe que um mundo totalmente novo de cores, matizes e sentimentos nos aguarda na próxima esquina. No próximo segundo. Perto daquelas lágrimas. E sabe de uma coisa, também? Você, nesse mundo novo de sentimentos, percebe como aquele mundo passado não era verdadeiro, que apenas possuía algumas cores desbotadas, sem muita beleza. Acontece muito com a gente, quando não conseguimos sentir algo verdadeiro: a gente imagina. A gente se agarra a ilusões. A gente acha que sente. Mas só é possível descobrir isso quando você se deixa flutuar para o mundo novo. Você sente... Sente com toda a sua alma o que são sentimentos verdadeiros. As cores são tão belas e tantas que você fica em dúvida se já as conhecia. Mas não: são novas. É tudo novo. E é incrível poder conhecer esse mundo novo todos os dias... Você se sente no lugar certo, entende o que quero dizer? Não há mais dúvidas. Mas tudo o que é demasiado intenso, vem com grandes perigos. Como esta frase, que tirei do belíssimo romance de Tristão e Isolda: "Com que torturas o amor se vinga dos amantes" Mas tudo se torna maduro, tudo se torna grandioso. Tudo o que é grandioso traz grandes riscos. Mas quem se importa com os riscos, quando se vive algo tão bom? Que faria eu para evitar grandes sofrimentos? Adotaria a filosofia de Buddha e renegaria todos esses grandes sentimentos? Ah, jamais. Eu escolhi a vida. Escolhi viver, e não me esconderei dela em mim mesma... Aceitarei de bom grado e acolherei os sentimentos que me forem destinados com muito carinho. Talvez, quando o sofrimento chegar, eles me sirvam de consolo...

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Pedaços de uma Vida

Sabe aquela dorzinha? Aquela dorzinha, bem do lado esquerdo do seu peito. Sabe? Aquela que você sente toda vez que pensa em tudo o que poderia ter sido, mas nunca foi... Sabe? Quando parece que tem uma mão apertando seu coração e dói? Sabe essa dorzinha? Tão incômoda, tão incômoda. Sabe quando tudo desmorona, quando você percebe que aquilo que você sonhou, simplesmente não vai acontecer? Então, a partir dai vem aqueles devaneios. Intermináveis devaneios... Em que você reconstitui cada pedacinho do que houve na sua mente. Você junta todos os pedacinhos daquela bela foto na sua cabeça, e tenta monta-la. Ela era tão bela! Por que foi despedaçada, tão fácil e dolorosamente? Por que você permitiu isso? E você tenta monta-la na sua mente. Só que você percebe que ela não é como antes. Ela tá desfigurada. Os sorrisos estão tortos. Os olhares meio vazios. O céu tá meio cinza... E sempre falta um pedacinho da foto. Você não consegue monta-la por completo.

Será que serão essas as lembranças que eu levarei comigo? Será que, na verdade, sempre foi assim? Será que tudo foi torto, vazio e cinza? Será que é por isso que a fotografia foi despedaçada e ninguém percebeu? Porque simplesmente não deu certo... Simplesmente porque não havia a dose certa de sentimento. Muito de um lado, pouco de outro. E aí vai se despedaçando... Doi de um lado - daquele que eleva os sentimentos. Rasga o peito. Doi. Porque você sabe que tá perdendo algo que nunca realmente teve. E aí - puf. Fim.

Fim.

Fim? Fim de uma história. Mas o início de uma nova tá bem ai. Uma nova fotografia. Com novas cores. Num novo céu. Com novos sorrisos e olhares. Mas sempre, com mais precauções. Sem euforias. Sem esperanças. Só aproveitando. E o que vier e me fizer sorrir, bem, aceitarei de bom grado. Sorrirei de volta. Mas meu coração - esse será mais bem cuidado. Bem protegido. Porque, sabe, aquela dorzinha é tão incômoda. Tão incômoda.